STF considera constitucional anistia a desmatadores do novo Código Florestal

Sobre o Código Florestal

Nos principais itens questionados, considerou-se que não fere a Constituição os artigos da lei que anistiavam de multa e de outras obrigações quem desmatou ilegalmente até julho de 2008, mas havia aderido ao programa de regularização ambiental

Giovana Girardi, Amanda Pupo e Teo Cury, O Estado de S.Paulo
28 Fevereiro 2018 | 16h07
Atualizado 28 Fevereiro 2018 | 20h54

BRASÍLIA – Em votação apertada, e após quase seis anos de questionamentos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, 28, pela constitucionalidade da maioria dos pontos da lei de 2012 que alterou o Código Florestal, de 1965, e rege como deve se dar a proteção da vegetação nativa em propriedades rurais do País.

O ministro Celso de Mello, durante a apresentação do seu voto Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A decisão, recebida com alívio pelo setor ruralista e com desânimo por ambientalistas e cientistas, trouxe, em comum aos dois lados, a sensação de que agora há segurança jurídica para implementar, enfim, a lei.

Havia 58 pontos sendo questionados por quatro ações diretas de inconstitucionalidade (Adis). Entre os mais polêmicos, estão os que conferem anistia de multa e de outras obrigações quem desmatou ilegalmente até julho de 2008 – data marco na lei que separa desmatamentos consolidados dos novos.

Cálculos do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), do ano passado, estimaram que o setor produtivo “ganhou” pelo menos 41 milhões de hectares de terras com a mudança da lei – é o tamanho da área que foi desmatada ilegalmente no passado, mas foi liberada da necessidade de restauração.

O ministro Luiz Fux, que relatou o processo, tinha entendido, que somente três pontos eram inconstitucionais, como uma parte do artigo 59 da lei 12.651/2012. Ele estabelece o Programa de Regularização Ambiental (PRA) – dispositivo que trata sobre como deve se dar a regularização de áreas desmatadas ilegalmente.

O artigo traz um parágrafo que prevê que a partir do momento que o proprietário de terra aderir ao PRA, e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, ele não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008 por desmatamento em Áreas de Preservação Permanente (APP) – como margens de rio e nascentes – e de Reserva Legal (RL). Ou seja, ao se comprometer a restaurar a área, o proprietário não pode ser multado.

“A lei confere verdadeira anistia condicional a esses infratores, em total desconformidade com o mandamento constitucional”, disse Fux no ano passado, ao apresentar seu voto.

Na semana passada, quando a votação foi retomada, Marco Aurélio Mello, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski tiveram entendimento parecido. Segundo Barroso, a lei não poderia desconsiderar as infrações anteriores a 2008. “A significativa atenuação do dever de reparação ao meio ambiente com definição de regime jurídico mais favorável a quem desmatou antes de 2008 viola o princípio da proporcionalidade”, afirmou.

Outros cinco ministros (Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Dias Tóffoli) viram de outro modo. Para Moraes, por exemplo, que votou a favor desse trecho da lei, se a norma for declarada inconstitucional, todos aqueles que se regulamentaram e aceitaram a recuperação estipulada terão que sofrer consequências não previstas.

Outro ponto que o relator havia considerado inconstitucional e fora acompanhado dos demais quatro foi a criação de regimes diferenciados de recomposição da vegetação para antes e depois de 22 de julho de 2008. Segundo o artigo 7.º do novo Código, o proprietário é obrigado a recompor a vegetação desmatada em APP se ela não tiver sido autorizada. E se essa supressão não autorizada tiver ocorrido depois daquela data, o proprietário não pode conseguir novas autorizações para supressão de vegetação.

Como havia um empate, coube ao decano Celso de Mello desempatar ontem a questão. Ao longo de sua explanação ele se referiu várias vezes aos princípios da precaução e do não retrocesso aos ganhos ambientais, o que chegou a animar ambientalistas, que acreditaram que seu posicionamento seria pela inconstitucionalidade desses artigos. Mas, no seu entendimento, a anistia prevista para crimes ambientais cometidos antes de 22 de julho de 2008 não se reveste de conteúdo arbitrário nem compromete a tutela constitucional em tema de meio ambiente.

Repercussão. No setor agrícola, havia um temor de que se algum desses pontos fosse considerado inconstitucional, acabaria gerando uma insegurança jurídica e acabaria ameaçando o PRA. Os produtores, se pudessem ser multados, perderiam o incentivo a aderir ao programa.

“Agora de uma vez por todas temos segurança jurídica para implementar uma lei que vem rodando desde 1934 (data da primeira versão do código). Agora sabe-se qual é a regra e tem-se um processo de adequação à lei claro. É o que vai permitir, por exemplo, a recuperação dos 12 milhões de hectares que o Brasil prometeu fazer junto ao Acordo de Paris”, disse Rodrigo Lima, diretor geral do Agroícone – think tank que realiza análises sobre o agronegócio.

Advogado da CNA (Confederação de Agricultura e Pecuária), Rodrigo Justus disse entender que a definição do STF cria incentivo para os Estados implementarem efetivamente as regras do PRA – que não vinham sendo aplicadas por receio de que o STF declarasse trechos da lei como declaradas inconstitucional. “Houve o reconhecimento de praticamente toda lei. Com esse trabalho de 16 anos para produzir a lei, nossa expectativa era de conhecimento integral, mas é um julgamento difícil, mistura ciência com direito”, ponderou Justus.

Entre ambientalistas, o sentimento é de perda à proteção de florestas e da água. “Não tínhamos expectativa de transformar o Código Florestal em uma boa lei, ele nunca ia se tornar uma boa lei, nem com essas mudanças pontuais. Mas esperávamos uma correção de aspectos que considerávamos muito importantes, como da anistia”, afirmou Nurit Bensusan, do Instituto Socioambiental (ISA), que fez parte do processo na qualidade de amicus curiae. “É um prêmio para quem desmata em detrimento de quem preserva.”

Para o ecólogo da USP Jean-Paul Metzger, um dos pesquisadores que apresentaram uma série de estudos para embasar as ADIs, e mostraram os impactos que a redução na proteção, em especial em APP, poderia trazer, por exemplo, para a segurança hídrica, o resultado é triste.

“As questões mais importantes para nós eram as mudanças que reduziram a área de APP que deve ser preservada e a anistia como um todo. Tínhamos alguma esperança nesse íten, que representa uma perda enorme nas áreas a ser recuperadas. Mostramos que elas poderiam ser recuperadas gerando lucro e sem entrave ao desenvolvimento. É uma pena que o entendimento não tenha sido esse”, disse.

Ele pondera, no entanto, que agora é hora de partir para a implementação da lei que existe. “Estamos vivendo cada vez mais extremos climáticos e a redução de proteção de vegetação no entorno de rios vai aumentar a suscetibilidade desses a enchentes. erosão, seca. Vai aumentar a nossa vulnerabilidade, não tem como negar que isso vai acontecer. Mas agora temos de pensar de forma prática e tratar de implementar a lei e recuperar o que pode ser recuperado”, disse.

Como fica a lei com a decisão do STF

O que fica como diz a lei

Anistia – Quem desmatou ilegalmente até 22 de julho de 2008, mas aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), não poderá ser autuado por infrações cometidas antes daquela data enquanto estiver cumprindo o compromisso.

Recomposição – Ficam mantidos os regimes diferenciados para quem desmatou antes ou depois de 22/7/2008. Em todos os casos, o proprietário que desmatou ilegalmente área de preservação permanente (APP) é obrigado a recompor a vegetação. Quem fez isso depois dessa data, porém, não pode conseguir novas autorizações de supressão de vegetação.

“Escadinha” – O artigo que estabeleceu tamanhos diferentes de APP que tem de ser protegida de acordo com o tamanho da propriedade rural fica mantido.

O que muda

Nascentes – Segundo a lei, apenas nascentes e olhos de água perenes deveriam ser protegidas por APP (50 metros). De acordo com os ministros, todas as nascentes e olhos de água, intermitentes ou permanentes, devem ser protegidas.

Lixões – Ministros proibiram lixões, aterros sanitários, quadras de esportes, ginásios e estádios em APPs.

Terras indígenas – Outro ponto que também formou maioria é o entendimento de que o tratamento diferenciado para a recuperação de áreas desmatadas para terras indígenas não fica restrito àquelas que são “demarcadas” e “tituladas”. Nesse trecho da lei, o Código Florestal define normas especiais para recuperação de retirada ilegal de vegetação para pequenos proprietários, assim como para as terras indígenas e comunidades tradicionais.

Incerteza

Compensação – Para o STF, é constitucional o artigo que define que a compensação de Reserva Legal desmatada pode ser feita dentro do mesmo bioma. Mas um tipo específico, a chamada cota de reserva ambiental (um mecanismo de mercado) tem de ocorrer em áreas de equivalência ecológica. Isso pode gerar incerteza.

Veja mais sobre Compensação de Reserva Legal: http://nectranda.com.br/servicos/compensacao-de-reserva-legal/